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"Pequeno Manual Antirracista", o que nos diz Djamila Ribeiro.

  • Foto do escritor: revistaTATO
    revistaTATO
  • 2 de jun. de 2020
  • 5 min de leitura

Atualizado: 2 de jun. de 2020

O texto que você irá ler é uma resenha do livro "Pequeno Manual Antirracista", e tem como propósito analisar a obra. A autora do texto prefere manter-se não identificada, uma vez que considera que a principal voz do texto cabe à filósofa, pesquisadora, ativista e escritora: Djamila Ribeiro.


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Palavras chave:

  1. racismo

  2. cultura

  3. desigualdade

  4. chão


Em que chão estamos pisando: o Brasil de Verdade.


Quando criança, fui ensinada que a população negra havia sido escrava e ponto. Nesse caso, exatamente como eu, foi a filósofa política, Djamila Ribeiro, que iniciou o seu livro “Pequeno Manual Antirracista” com essas mesmas palavras. De início, percebe-se que o Brasil vive fantasias distantes das narrativas de mais da metade da população do país, preta e parda, afinal, se tanto eu quanto Djamila recebemos uma educação equivocada das raízes do povo brasileiro, é porque não conhecemos o chão que deu origem à nossa sociedade. Logo, mergulhamos na aula que nos dá a autora: o que é o Brasil, de verdade.

Partindo do ponto que uma possível responsável pelo caos ainda instaurado no cotidiano brasileiro, o preconceito, é a falta de educação, Djamila assume o papel de denúncia de todas as vertentes do descaso. Para explicar o preconceito contra diferentes raças e etnias, o racismo, é necessário falar de história. A biblioteca de referências da autora não deixa faltar fatos que constituíram essa cultura infeliz contra pessoas pretas ou pardas, pelo contrário, deixam evidente que a desvalorização no mercado de trabalho, a objetificação da mulher negra, a falta de acesso a educação igualitária e, especialmente, o crime escancarado contra essa parcela da população, são resultado do que um dia foi chamado de voto de cabresto, amas de leite, criado mudo, abolição desatendida da escravatura… em suma, quase todas as decisões políticas, econômicas e sociais, de quase todos os líderes brasileiros até hoje, até a última Constituição do Brasil de 1988, a considerada democrática.

Dessa forma, não é difícil compreender o por quê tanto eu quanto Djamila fomos ensinadas que a população negra foi escrava “e ponto”, porque até hoje o óbvio passou despercebido muitas vezes: ninguém nunca foi escravo por opção, foi escravizado por obrigação, e só isso teria mudado tudo. A formação intelectual de seres humanos é o que os fazem perceber injustiças na sociedade, e quando não somos ensinados a história, mesmo dura, como ela é, temos chance de reproduzir atitudes preconceituosas, o que é inadmissível. Djamila escreve em seu livro - “O apagamento dos saberes negros e anticoloniais contribuiu significativamente para a pobreza do debate público(…).” (RIBEIRO, 2019, p.64). Isso nos prontifica que sobretudo a falta de ensino adequado a respeito da verdadeira história brasileira nos livros, ainda carecemos de algo que seria fundamental para o patrimônio cultural desse país: a conservação de memória. Raros os casos que vemos monumentos e homenagens a resistência do povo contra o Estado historicamente opressor de liberdades, pelo contrário: tem-se apagado cada vez mais personas, como o caso Marielle Franco no Rio de Janeiro em 2018. Sendo assim, é evidente que a primeira pedra do chão que pisamos é a desinformação selecionada pelas elites que escreveram a maior parte dos registros existentes. Esse problema funda tantos outros, porque condiciona não somente o passado, mas especialmente o futuro.

Djamila Ribeiro cita uma experiência forte que viveu no tempo de universidade, quando foi questionada sobre sua presença no ambiente acadêmico, nas palavras da autora, “(…) por quê você, uma negra bonita, está queimando seus neurônios estudando filosofia? Outro me questionou por que eu não “arrumava um gringo para casar”. Na cabeça deles, eu por ser uma “negra bonita”, meu lugar não era na universidade” (2019, p.86). Naturalmente, esse trecho mostra outra pedra no chão brasileiro -o machismo fundante da estrutura heteronormativa no Brasil. Como mulher, acredito que quase todas já fomos vítimas da dúvida da nossa credibilidade, da verdade das nossas palavras e da liberdade de escolher nosso caminho sempre acompanhado de opiniões alheias e desencorajamentos. Porém, nunca utilizaram a cor da minha pele, branca, para determinar o meu lugar na sociedade, o que esclarece, no mínimo, dois pontos muito fortes: o primeiro é que a mulher branca é privilegiada em relação a mulher negra, o segundo é que, por consequência, a mulher negra ocupa, provavelmente, o último escalão na sociedade, levando em contra todos os outros desequilíbrios preconceituosos que se pode ter contra uma pessoa. O fato é que não é por acaso; a história explica bem a posição do homem em frente a humilhação feminina preta ou parda que vê o corpo da mulher como violável, como bem representado pela personagem Capitu, no romance Dom Casmurro, escrito por Machado de Assis. Djamila escreve no livro, “Essa sexualização retira a humanidade das mulheres, pois deixamos de ser vistas com toda a complexidade do ser humano” (2019, p.85), tudo isso, sem contar desvalorização salarial, desestímulo ao consumo de cultura negra, a não presença negra em cargos diplomáticos… Dessa maneira, completamos mais uma pedra no chão brasileiro: os vários níveis e nichos dentro do que chamamos de racismo e preconceito.

Seria importante citar toda a obra “Pequeno Manual Antirracista”, porque toda ela pode - e deveria- ser o mínimo que todas as pessoas precisariam saber sobre essa lacuna que atrapalha, mata, corrói o Brasil a cada dia, o racismo. O Brasil de verdade depende de uma das frases que Djamila Ribeiro cita ao final do livro, que diz o seguinte, “Acordar para os privilégios que certos grupos sociais têm e praticar pequenos exercícios de percepção pode transformar situações de violência que antes do processo de conscientização não seriam questionadas.” (2019, p.107). A verdade é essa, não há tolerância para atitudes insistentes em diminuir ou que fazem a manutenção de estruturas de extrema desumanidade contra pessoas por sua etnia ou raça. Todavia, a mudança necessária, de inclusão, respeito e igualdade, caminhará a passos lentos. É notório que um país tão enraizado na desigualdade encontrará incômodo por abalar tais estruturas tão sólidas. Depois da aula sobre luta com Djamila Ribeiro, que enfrentou a condição de mulher negra,

marginalizada, no campo das ciências humanas, mais especificamente a filosofia, tão atacada em tempos de obscurantismo político e negacionismo científico pela população dominante no país, fortificada por outros ativismos como Marielle Franco, até hoje assassinada sem respostas, vinda das mesmas bases de Djamila: não há discurso que supere essa força, e, por isso, permanecer inerte às mesmas atitudes será impossível. Enquanto sociedade, lutar pela mudança não é uma opção política, é uma obrigação cidadã. Até porque, quanto mais se estuda, mais se descobre que o chão do Brasil é fraturado, mas é feito de diversidade, cor, linguagem, paladar, dança, e por isso devemos buscar nossa identidade com antirracismo, educar e aprender, ou caminharemos para sempre por cima dos outros? Cito Djamila: “Essa leitura pretende refletir(…)” (2019, p.108).







 
 
 

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