BAGAGEM
- revistaTATO
- 7 de dez. de 2020
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Pelos motivos óbvios que 2020 carrega, talvez você precisasse falar sobre despedidas e não sabia. Escrevo essa carta para aqueles que foram céticos e os que desenvolveram qualquer tipo de fé, pelo simples motivo de que algumas coisas são, inevitavelmente, maiores que outras.
Martina Louise Schneider é estudante de Comunicação Social - Jornalismo (PUCRS) e Administração (UFRGS) e autora desse diálogo. Com a intenção de acalentar uma sociedade enorme em perspectivas mais concomitantes, nasce:
BAGAGEM
“Talvez sair de 2020 seja mais difícil do que o processo todo tenha sido. Talvez você me ache questionável, mas agora precisamos falar sobre despedidas.
Ninguém imagina o caos, especialmente como 2020 foi. Se, esse, foi um ano ruim para você ou bom, é inegociável que ele tenha sido forte. Se você teve um bom ano em um ano desastroso, é possível que você esteja com medo de tudo que pode acontecer em antíteses das narrativas que criou nos últimos 300 e poucos dias. Se você viveu um ano ruim, é mais possível ainda que você esteja com medo de não sair mais, de verdade, do que viveu, logo após a meia noite.
Gregos e troianos estão fazendo as malas da segunda década e entrando na vigésima primeira. É fato que essa ruptura está altamente vigiada por uma fé incomparável, seja na ciência, seja na vitalidade. Imagino que essa especulação seja breve, porque nem a ciência, nem a vitalidade, mandaram telegramas sobre sua situação de saúde. Mas e você?
Vou conversar primeiro com os corações carentes de um molejo: um abraço. Vocês sobreviveram a uma carga social, política, econômica, e, sobretudo, emocional, máxima. Nenhum ser humano evoluiu até hoje sozinho, enjaulado, sem sol. Pode ser que você nem saiba como resistiu a certos dias, que talvez você não lembre que passou. Por isso lhe pergunto: despedir-se de 2020 não lhe parece cômico? Lhe parece sorte? Depende, acredito que de tudo um pouco. Porém, preciso relembrar-vos que um pouco de fé, até mesmo na ciência, pode lhe embalar em uma bela noite de sono que talvez você não tenha tido. Moral é que esse adeus precisa de graça e carinho, com você hoje, você passado, você futuro. Os dois pés no chão, sentindo pisar na dúvida, lidar com a incerteza, abraçando o medo, confiando na ansiedade. É preciso que você seja um resumo da sua dor e fique amiga dela. É no diálogo que aprendemos (e aprendemos, de fato) a tolerar o contrário do sonho. É necessário pular corretamente para alçar vistas mais altas, com esforço e calma, desejo e paixão. Eu acredito se você me disser que não vê nada disso, nem como fazer tudo isso. Eu lhe digo: você já está fazendo, porque você já chegou até aqui. Agora é hora de reconhecer o empate com o imperfeito, e assim vocês sairão ganhando - você e 2020. Faça suas malas e despeça-se com orgulho pela luta que encenou: você também venceu, e está pronto para a próxima fase. Despeça-se com lágrimas plurais, mas despeça-se com louvor.
Recolho os invejados pelo êxito em 2020, agora falo com vocês. Cumprimento pela parcimônia de ter tido a coragem de ver no breu um feixe que falasse sobre você. Você, aparentemente, teve sucesso porque talvez tenha tido a sorte do espaço, o privilégio do diálogo, ou o colo da ignorância. Não vou argumentar fontes e tijolos que fazem a sorte acontecer no mundo, mas preciso afirmar que você também perdeu. Todos que “ganharam” de 2020, também compartilham as milhares de perdas, porque somos um todo, inevitavelmente, conjunto nesse globo. Não me entenda mal, pode ser que estamos na mesma página. Todavia, preciso acenar que 2020 não aparenta muita simpatia pelo egoísmo, egocentrismo, ou ganância. Há quem diga que o mundo dá voltas. Por isso, convido você a observar que despedir-se da sorte pode doer, justamente porque você a conhece pouco demais para parâmetros apocalípticos. Não tenha medo, olhe ao lado e você verá uma galera que atravessou esse mar de mãos dadas. Faça como seu semelhante, reconheça o empate com o imperfeito, e assim vocês sairão ganhando - você e 2020.
A bagagem que levaremos para 2021 precisa falar sobre paridade. Nem tão céticos, nem tão fervorosos, todos precisamos despedirmo-nos com cautela e conhecimento, igualmente e como um todo, a respeito do relacionamento com 2020. Ele não termina, ele evolui. Talvez levemos traumas e saudades, mas que saibamos dar a chance que 2021 merece. Não de seguir igual, não de nos abandonarmos novamente em dor, mas, sim, de ser uma consequência entre a escuta e a fala de dicotomias intensas como nós todos. Algumas coisas são, inevitavelmente, maiores que outras. Não espero, nem sugiro, que essas coisas sejam iguais para quem sofreu ou quem está apegado à 2020. Contudo, não nego que desejo conduzir-nos a tempos mais compreensíveis e, por que não, empáticos, como bem falou-se nessa palavra circular nas esquinas das estações e horas que vivemos há pouco. Convido a todos a despirem-se assim:
Eu agradeço pelo espaço que há em mim de sentir-me e conhecer ao outro melhor. Confesso e prometo não te esquecer, mas, preciso, partir.”
Martina Louise Schneider
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